terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO


TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos a pé. Geralmente, à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre. E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável! A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre. 
Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro… casa singela e acolhedora. 
A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa. Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite… tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança… Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam…. era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade…
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. 
Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa… A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos… até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail… Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!… - ninguém quer entrar mais. Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores. Casas trancadas… 
Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite…

Que saudade do compadre e da comadre!

(Autor: José Antonio Oliveira de Resende, Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Depto. de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei).

 Amei esse texto. Lendo-o vi um filme da minha vida. Minha infância e adolescência desfilaram em minha mente. Na minha família também era assim, aliás, acho que essas cenas fizeram parte de todos da geração de 50 a 70. Eram esses os costumes da época, principalmente daqueles que, como minha família, moravam no sítio e ainda não tinham televisão. Aí chega a TV e acaba com todas essas “delícias”: visitas nas casas dos compadres e comadres, os terços, as fogueiras de Santo Antônio e São João, os chás, chocolates quentes e cafés com bolos, pães caseiros e broas. Ah que saudades!
” O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail…Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa…” Não se vive intensamente todas as etapas da vida. Obrigada Profº José Resende por permitir-me essas viagem. Abraços.


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