segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Quando florescem os ipês


Como é bonito ver o ipê que flora,
 Pelo cerrado no mês de agosto.
 Com tanta seca, tanto cinza exposto
 E tanta aridez pelo campo afora,

 O Amarelo-Roxo, abre, revigora
 Feito um doce alento a bater no rosto
 Como se Deus ali tivesse posto
 Um sopro de vida, num mundo que chora.

 Olhando o cerrado, penso agora em mim!
 Ando distorcido, ando tão descrente
 Como há muito tempo, não me via assim.

 Mas minha cabeça, esperançosa vê,
 Que no meio de tudo in-sis-ten-te-men-te
 …Flora lá bem longe…um pequenino ipê…

 (Jenário de Fátima)

Esta foto tirei em julho na Praça Olímpica, pertinho de casa

sábado, 22 de outubro de 2011


O Verme
(Lourdes A. Galhardo Peres)
Ainda fazia escuro quando Severino acordou no velho barraco. Abriu os olhos aos poucos, tateou o travesseiro ao lado, sentiu-o vazio. Só então se lembrara de que Rosa fora embora. Rosa fora embora porque não aguentava mais aquela vida miserável. Era bonita demais para ficar.
            Veio-lhe à boca um gosto ocre e o estômago revirou-se numa ânsia ardente. Os olhos inundados de lágrimas que  teimavam em rolar pela face, mas ele não admitiu: __ homem não chora,  pensou, muito menos por uma ingrata. Apertou-lhe os lábios, mordeu-os com mais força até sentir gosto de sangue. Continuou deitado, alisando o travesseiro vazio. Esperou para ouvir o canto do galo  anunciando a hora costumeira de se levantar. Achou que estava demorando muito. Pouco a pouco foi recuperando os sentidos, então se lembrou que há dois dias fizera do galo o jantar para as crianças.  Levantou-se: sou um homem ou  um verme? Pensou. Catou do chão e enfiou lentamente as velhas calças já muito puídas pela constância do uso. Tateou pelas paredes da cabeceira da cama, até encontrar a camisa que deixara na véspera, pendurada num prego. Vestiu-a. O cheiro de suor misturado ao cheiro de sangue seco do galo causou-lhe náuseas. Lembrou-se novamente da mulher. Agora com tanta raiva que se a encontrasse pela frente seria capaz de matá-la.
            __Ingrata!
            Foi até a cozinha. A pia estava abarrotada de cacarecos de quase três dias sem lavar. Lavou com dificuldade uma caneca e levou-a com água ao fogo para o café da manhã. Enquanto fervia a água, lavou o rosto no tanque de roupas que havia na pórta da cozinha. Chacoalhou  água na boca, duas ou três vezes,  passou as mãos úmidas nos cabelos que há  tempos começaram a  ficar grisalhos. Viu sua imagem refletida num pedaço de espelho, corrompido com as marcas do tempo que mal dava para se ver, fixado na parede acima do tanque que em outros tempos usava para se barbear. Pareceu assustar-se com a própria imagem:
__ Sou um homem  ou um verme?
Entrou, foi coar o café. Não tinha mais pó. Fuçou nas latas do velho guarda-comida a procura de algum chá que Rosa costumava guardar. Nada achou. Praguejou qualquer coisa, desligou o fogo. Enfiou as mãos nos bolsos na esperança de encontrar algum dinheiro.
            __ Que vida, meu Deus!  Quanto tempo estou  sem trabalho? Rosa tinha razão. Ela era bonita demais para ficar aqui nessa miséria. Mas, se ao menos ela tivesse levado as crianças!... Eu tenho que arranjar um trabalho, quem sabe ela volta pra casa... Não, ela não me merece. Ou será eu que não a mereço? Sou um verme.
            Entrou no quarto das crianças, viu os dois meninos que dormiam na inocência de criança, um arrepio percorreu-lhe a espinha, beijou-os de leve,  saiu encostando a porta.
            No horizonte os primeiros raios de sol se mostravam radiantes. Severino pisava a lama do chão, deixada pela chuva do dia anterior e de  quase a noite inteira. Sentiu um arrepio frio quando o barro entrou pelos furos das solas do velho par de sapatos. Caminhava decidido a arranjar algum trabalho. Tinha que melhorar de vida. Parava em tudo quanto era construção, pois a única coisa que sabia fazer era o ofício de servente de pedreiro, todavia, com essa recessão que o país vinha enfrentando, nada conseguia desde o dia em que fora mandado embora da construtora. Já ia para quase dois anos. Mas,  em cada lugar que parava, olhavam-no de alto a baixo como a dizer:
            __ Sai pra lá farrapo de homem, você não aguenta nem com um tijolo, como quer trabalho?
            Saía cabisbaixo. Foi o dia inteiro nessa labuta. Sua barriga roncava de fome. Alguém, por piedade, lhe dera uns trocados. Enfiou a mão no bolso e sentiu as moedas. Uma ramela no canto dos olhos deslizou  pelo rosto misturada às lágrimas. Limpou-as com as costas das mãos __ homem não chora! Murmurou. Entrou no primeiro boteco que viu, pediu cachaça dupla. Uma velha escabelada, os lábios de um vivo carmim, aproximou-se dele cheirando a tabaco e perfume barato. Severino lembrou-se do gostoso cheiro de Rosa e sentiu  nojo da velha. Tomou a cachaça em um só gole. A danada desceu queimando  goela abaixo. Sentiu reconfortado. Pediu mais uma, mais outra e outras. Pouco tempo depois sentiu a vista turvar,  a língua grossa e pastosa.  Saiu  do boteco cambaleando para lá e para cá. As imagens a sua frente eram ora duplas ora retorcidas.
            Foi num desses momentos, ao atravessar a Avenida São João, ouviu um barulho de motor muito próximo. Virou a cabeça para identificar a distância. Tarde demais. Sentiu um forte impacto à atura dos rins. Seu corpo foi atirado a alguns metros, após rodopiar no ar. Ouviu som de sirene, muitas pessoas se acotovelavam  em volta dele. Vários policiais foram chegando. Ouviu um dizer:
__ Esse já era.
Quis gritar que estava vivo. Gritou, gritou, mas ninguém parecia ouvi-lo. Viu  dois homens de branco chegarem com uma espécie de padiola, viraram-no de barriga para cima, sentiu algo quente escorrer por baixo dele. Pensou  ser sangue, porém não sentia dor nenhuma, só uma zonzeira danada. Os dois jogaram-no na padiola e levaram-no até um carro preto. Letras dançavam na lataria do negro furgão, ele identificou como  IML. Seu subconsciente gritava  mais forte:
__ Tirem-me daqui, deixe-me sair. Eu tenho filhos esperando por mim. Onde vocês estão me levando seus idiotas?
De repente sentiu que o colocaram numa espécie de armário. Fecharam a porta, tudo ficou muito escuro. Poucos minutos sentiu um frio intenso, um frio que parecia congelar até a alma. __ Alma? Sou um verme, ainda pensou. Verme não tem alma, ou tem? Uma espécie de torpor invadiu o seu ser, nada mais sentiu.
Não sabe quanto tempo ficara ali. Pouco a pouco, esquisitas sensações vinham-lhe à mente. Não sentia mais frio, no entanto parecia sentir-se  sufocado. Queria gritar, mas a voz não lhe saía. Então pensou: __ Sou um verme!  Não demorou muito tempo,  sentiu vermes entrarem em suas carnes, penetravam em cada poros do seu corpo num frenesi infernal.








quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A vida mudou de direcção,
sem aviso prévio…
Tentas compreender os novos rumos por ela tomados.
Consultas mapas de navegação
E bússolas que não te indicam o Norte…
Perguntas sem respostas
Inundam a tua realidade
E flutuas num mar de incertezas
Onde navegas sem ter controlo do leme,
Encontraste á deriva.
Sem conseguires mudar as direcções do vento,
Tentas ajustar as velas para que este se torne favorável.
Torras ao sol, enfrentas marés e a fúria do vento.
Gritos de alma
Percorrem mundo.
Sentes-te atraiçoado
Revoltas-te contra o tempo
Amaldiçoando o dia em que entraste em tal
Caravela,
Cujas promessas aliciantes
Se tornaram em pesadelos
Reais e cortantes.

(desconheço a autoria)

REMAR



REMAR

Os sonhos da vida 
A vida do amor
O amor da pureza
Como a pureza da flor.

A flor sem perfume
O perfume da morte
A morte de alguém
Que não fora forte.

A força do adeus
O adeus sem por quê
O porquê eu respondo
Eu amo você.

Você de doçura
Como a doçura da dor
A dor sem estragos
De um grande Amor.

O amor sem ilusão
A ilusão de chegar
Chegar mais depressa
Para eu mais te amar.

Amar sem piedade
A piedade divina
O Deus da Esperança
O remo dos sonhos meus.
O remo dos sonhos meus



domingo, 16 de outubro de 2011

Conto


O comer de minha mãe

Desde criança sempre me fascinou o comer de minha mãe.
Não estou me referindo as refeições preparadas por ela, que aliás, nunca fora uma cozinheira de pratos sofisticados, poucas iguarias ela sabe preparar, mas o que prepara, as refeições simples da gente do campo, sempre fora para mim a melhor comida que qualquer ser tenha provado na face da terra.
Minha mãe prepara uma abobrinha com jiló, um afogadinho de quiabo, um cozido de cará que ninguém resiste. Seu arroz com feijão podem ser degustados sozinhos, isto é, sem acompanhamentos nenhum, que você se sente deliciado. E sua macarronada então? Até hoje nunca comi melhor. Por mais que suas filhas, e eu me incluo entre elas, tentam imitar, nunca fica igual à macarronada dela. Esse é o prato sagrado de todo almoço de domingo em sua casa. Ela só sabe fazer dois tipos de macarronada: macarronada com frango -- quando utiliza o frango caipira é ainda mais divino – e macarronada com molho de picadinho de carne bovina. Cá comigo, eu acho que ela põe um quê de mistério em seus molhos que cativa a gente. Não é por ser minha mãe, mas quem come da sua macarronada nunca mais esquece. Ah, e a sua batatinha frita! Só de lembrar fico com água na boca. A batatinha frita de minha mãe não é como essa em palito tipo Mc donald’s, nem a batata sequinha que estala na boca, tipo essas servidas nas quermesses das igrejas. A batata frita de minha mãe é cortada em rodelas, com quase meio centímetro de espessura, frita na banha de porco ou azeite, fica tão suculenta, saborosa e macia por dentro que você nunca mais esquece.  E o pão da minha mãe! Dizem que todas as mulheres italianas ou descendentes de italianos como ela são meio fadas ou meio bruxas no preparo das fornadas de pães. Será mesmo verdade? Não sei. Só sei que sinto muitas saudades dos pães que minha mãe fazia.
Lembro-me de quando éramos crianças eu e meus irmãos revezávamos no cilindro, enquanto ela ia passando a massa uma infinidade de vezes, até que ficasse completamente lisa, quase translúcida. Nós que nem forças tínhamos direito para girar o cilindro, às vezes precisávamos de uma terceira mão para conseguirmos dar cabo de passar toda a massa. Fato que seria fácil de resolver se a minha mãe dividisse a massa em mais pedaços. Mas ela aprendera com a mãe dela dividir todo conteúdo de um pacote de farinha de cinco quilos em apenas três vezes. Ou talvez seria a pressa de terminar de cilindrar a massa?  Entretanto, valia a pena quando o pão saía do forno. Quantos elogios ela recebia, quando servia às comadres domingueiras, seus pães com o saboroso café colhido, pilado, torrado e moído por nós mesmos.
Minha mãe, mulher humilde e vaidosa ao mesmo tempo, ágil e esperta em tudo, mas que tais qualidades não se aplicam na hora de comer. Como já disse caro leitor, o comer de minha mãe até hoje me encanta, me fascina. Na sua simplicidade ela pega seu prato, senta numa cadeira em um canto da cozinha -- dificilmente senta à mesa – e com o prato sobre as pernas, começa o seu ritual. Move ligeiramente seus lábios numa oração de agradecimento e toma do garfo e começa a “arte de comer”.
Chamo de arte porque ela vai trabalhando o garfo girando a comida de lá pra cá, de cá pra lá, numa infinidade de vezes como se estivesse mexendo e remexendo o café no terreirão ou ainda como faz uma choca ciscando a quirera na terra para alimentar seus pintainhos. É isso que me fascina! Esse frenesi que ela trabalha o garfo, só interrompendo quando leva as garfadas à boca e, enquanto mastiga demoradamente, absorta, volta o incessante bailado do garfo no prato. Penso que enquanto ela come, imita em sua mente à lembrança de uma valsa que nunca dançou.

Texto escrito dia 08 de março de 2011, Dia internacional da Mulher,  em homenagem à minha mãe.

Lourdes Aparecida Galhardo Peres.

sábado, 15 de outubro de 2011

Dia do Professor

Quem é?
Quem é esse estranho personagem?

Homem ou mulher, velho ou moço, que em sua ação é ao mesmo tempo músico e regente?


Quem é essa estranha figura que em seu trabalho chora e ri, fala e escuta, conta e encanta?


Quem é esse ator que precisa entusiasmar o grupo e ao mesmo tempo atender o apelo individual?


Precisa manter a ordem sem perder a serenidade; falar a todos, ouvindo a cada um?


Quem é esse estranho personagem?


Quem possui a indômita magia para ajudar que todos desabrochem e se expressem, aprendam e se transformem, construam e sonhem?


Quem é esse estranho malabarista que necessita se equilibrar entre conteúdos e competências, limitando excessos, favorecendo autonomia, acordando inteligências, provocando pensamentos?


Quem é esse anjo que empresta a filho dos outros, o tempo que para os seus não tem e que cobrado pelos desafios da vida sempre dura, não consegue apagar a emoção que a rotina propicia?


Quem é esse estranho personagem?


Que necessita sempre resolver, saber, decidir, propor, desafiar sem oportunidade de perder o instante, sem o recurso de deixar para depois?


Quem possui essa aura para esgotado, renovar esforços; combalido encontrar energia? Quem pode, ao entrar em cada classe, refazer-se novo como se aquela fosse a única?


Quem é esse estranho personagem?


Que aprende a empatia que ensina, pratica a solidariedade que prega, administra a progressão do currículo que deseja, avalia com olhar abrangente, vibra com sucessos que não são seus.


Quem é esse distribuidor de sementes que não colhe para uso próprio os frutos que plantou?


Quem é esse estranho personagem?


Quem é esse teimoso otimista que confia no aluno, que acredita no amanhã, que espera sempre pelo sonho?


Quem é esse estranho personagem?


Se ignorar a resposta, busque no espelho prezado professor...


(Celso Antunes)


PARABÉNS PARA NÓS!
Aos Professores


As bolas de papel na cabeça,

os inúmeros diários para se corrigir,
as críticas, as noites mal dormidas...
Tudo isso não foi o suficiente
para te fazer desistir do teu maior sonho:
Tornar possíveis os sonhos do mundo.

Que bom que esta tua vocação

tem despertado a vocação de muitos.
Parece injusto desejar-te um feliz dia dos professores,
quando em seu dia-a-dia
tantas dificuldades acontecem.

A rotina é dura, mas você ainda persiste.

Teu mundo é alegre, pois você
consegue olhar os olhos
de todos os outros e fazê-los felizes também.

Você é feliz, pois na tua matemática de vida,

dividir é sempre a melhor solução.
Você é grande e nobre, pois o seu ofício árduo lapida
o teu coração a cada dia,
dando-te tanto prazer em ensinar.

Homenagens, frases poéticas,

certamente farão parte do seu dia a dia
e quero de forma especial, relembrar
a pessoa maravilhosa que você é
e a importância daquilo do seu ofício.

É por isto que você merece esta homenagem

hoje e sempre, por aquilo que você é
e por aquilo que você faz.

Feliz Dia dos Professores



Autor: desconhecido