quinta-feira, 27 de setembro de 2012

“Órfãos de pais vivos”

Sou admiradora da professora e escritora Lu de Oliveira, peço licença a ela pra publicar em meu blog, seu texto “Órfãos de pais vivos”.  Eu, como professora, também convivo diuturnamente com "órfãos de pais vivos" no meio escolar. Faço minhas as palavras da Lu. Eis o texto: "Òrfãos de pais vivos" Por Lu Oliveira
Tenho compaixão de crianças e adolescentes que já não têm o pai ou a mãe, ou os dois, o que é mais triste. Mesmo que fiquem sob os cuidados de familiares, viver sem o colo materno para um aconchego ou sem o ombro paterno na hora de uma dificuldade é muito difícil para os pequenos. E se tenho compaixão desses meninos e meninas, também nutro o mesmo sentimento pelos órfãos de pais vivos.
Sei que a expressão é forte e usá-la é correr o risco de ser mal interpretada. Primeiramente, é preciso deixar claro que, caso eu tivesse a fórmula para educar, já a teria embalado em frascos e a estaria vendendo a preço de ouro. Como mãe, sinto-me desafiada todos os dias a cumprir meu papel mantendo o equilíbrio entre afeto e autoridade. Confesso que nem sempre consigo e a sensação de ter falhado é bastante incômoda. E preciso mesmo me incomodar. Quem não se incomoda se acomoda.
Em Maringá, nas últimas semanas, casos de festas embaladas a álcool envolvendo adolescentes ocuparam espaço nos noticiários. Faz poucas semanas, a revista “Veja” trouxe como reportagem de capa o triste quadro do consumo de bebidas alcoólicas entre menores de 18 anos.  A lei proíbe, mas, como em outras tantas situações neste País, há um abismo entre a vida como ela deveria ser e como ela realmente é.
Imaginar adolescentes de 13 e 14 anos, por exemplo, intercalando doses de vodka e copos de cerveja  é assustador por vários motivos, mas o que mais me inquieta é entender como eles foram parar nessas festas, afinal, seria o caos imaginar que, além de beber feito adultos, também dirigem seus próprios carros. Alguém precisou levá-los até lá, seja o pai, a mãe, o tio, o irmão. Um adulto deixou esses adolescentes em um lugar sem ao menos se informar se o programa era adequado para aquela faixa etária.  Discutindo isso com uma colega, ela argumentou que muitos mentem para poder sair, às vezes até argumentando que o colégio que frequentam está organizando a tal festa. E muitos pais, ingênuos, não se dão ao trabalho de averiguar a informação.
Há quem defenda veementemente o diálogo como a base para um relacionamento harmonioso. Faz sentido. Entretanto, dialogar com o filho não quer dizer ouvi-lo e lhe conceder tudo que ele pedir. O medo de que o não cause algum trauma ou faça a meninada perder o amor pela família está criando uma geração que tem extrema dificuldade em perceber que a vida impõe limites. 
Lembro-me de um caso emblemático para esta discussão: um pai, cujo filho havia sido pego com uísque em uma viagem da escola, foi chamado pela direção para conversar. Depois de admitir que ele mesmo é que havia comprado a bebida para o menino, suplicou para que o colégio não relatasse o episódio para a esposa. Se houvesse um concurso de órfão de pai vivo, certamente esse aluno ganharia o primeiro lugar com louvor.
Educar exige um esforço quase sobre-humano, ainda mais quando temos que preparar nossos filhos para dizer não aos convites que o mundo faz.  Crianças e adolescentes vão tentar burlar as regras, vão tentar transgredir os combinados, vão tentar infringir as normas estabelecidas durante o jantar em família. Todos nós, um dia, de um jeito ou de outro, tentamos fazer isso quando tínhamos 15 anos. O problema não é só a tentativa do jovem, mas a negligência do adulto.
Muitas crianças e adolescentes perderão os pais, afinal, se há algo que faz parte da vida é a morte. Mas é cruel demais que fiquem órfãos mesmo quando exista alguém ao lado deles.
Lu Oliveira – Coluna Francamente – Jornal O Diário – 1o. 08.2012.